quinta-feira, 30 de junho de 2011

Descartando vidas

A vida vai passando e pessoas vão entrando e saindo nela a todo instante, mais ou menos importantes, pouco ou muito marcantes. É como um trem, no qual somos o maquinista: não temos controle sobre quem embarca e desembarca, nem por quanto tempo eles permanecem conosco - e, se quisermos, paramos o trem e fazemos com que desça quem não é mais bem quisto. A vida é assim, apesar de não nos deixar escolher quem irá atuar conosco, nos dá a oportunidade de dispensar - caso seja de nossa vontade - àqueles que não desempenham o papel como esperamos.

Há alguns meses decidi levar uma filhotinha de coelho toy para casa. Era um gracinha de animal, pequenino, branquinho, parecia de brinquedo! O rapaz do pet me garantiu que só cresceria mais 10cm, que era uma raça miúda que poderia ser criada em casa. Comprei os acessórios necessários e a Blanche passou a fazer parte da minha rotina. Mas como era de se esperar, afinal apesar de toda fofura não é uma coelha de pelúcia, ela cresceu. E como cresceu! Cheguei ao ponto de ter de comprar novos acessórios, pois os dela já não serviam mais, e ela não parava de crescer. Percebi então que não se tratava de um coelho toy, e sim de um coelho tradicional, do tipo que fica bem grande e precisa de muito espaço...

Durante o crescimento cheguei a ir algumas vezes ao pet, mas nunca encontrava o veterinário para me explicar o que estava acontecendo. Hoje fui até lá e resolvi esperá-lo até que aparecesse, e, quando chegou, ele confirmou minha impressão e me propôs que a levasse de volta, a fim de trocar por outra menor. A minha iria de volta ao criador e lá ele decidiria o que fazer, pois ele tem várias criações, inclusive para abate. Depois de quatro meses comigo. Obviamente disse a ele que não faria isso, era absurdo, e então ele tentou me convencer de que era o melhor a fazer, inclusive citando os problemas que ela pode causar, e finalizando com a frase: "acho melhor você desistir".

Saí de lá com muita pena desse Dr. que, mesmo tão jovem e numa profissão tão especial, parece ainda não ter entendido como funciona a participação das criaturas vivas, que aprendemos a amar, em nossas vidas. Não desistimos de animais, como não desistimos de pessoas, só porque as coisas não saíram exatamente como esperávamos. Nos adaptamos, procuramos soluções, no caso mais extremo até nos afastamos para que o outro seja mais feliz, tenha mais qualidade de vida... mas desistir não.

Se algo pulsa, vive, compreende, e é capaz de participar da sua vida modificando-a diariamente, o mínimo que merece é respeito, carinho e atenção. Independente do que é ou não mais conveniente.

Há pessoas que desistem de pessoas, e sabemos disso. Maltratam filhos, são displicentes com idosos, assassinam pais, jogam crianças em lixos. Existem também aqueles que desistem de uma forma menos violenta mas igualmente dolorosa, quando chamam o outro de idiota e duvidam de sua capacidade de aprender, quando não se esforçam pra compreender o que outro precisa, quando por preconceito julgam outros inferiores a si, quando esquecem que são as pequenas ações que mudam o mundo e já o dão por perdido, sem salvação.

Há também pessoas que desistem de animais. São cães que já foram guardas, guias e companheiros e ficam jogados pelas ruas porque estão velhos e feios - e precisam de muitos cuidados, são gatos que não puderam ser levados com os móveis na mudança e perderam a 'serventia', são peixes que passam a dar muito trabalho e são jogados - não tão acidentalmente - em lixos e vasos, são animais descartados, como se não estivessem vivos, fossem apenas adereços. Brinquedos de luxo do bicho homem.

Mas animais não abandonam animais por futilidades. Pelo menos não os irracionais. Estes cuidam, protegem, se unem, e agem de acordo com sua natureza, com suas possibilidades. Nesse momento acho sábio questionar essa nossa racionalidade de ser humano, que pode estar seriamente comprometida por conta dessa busca pela praticidade e satisfação, descartando com facilidade demais tudo aquilo que não se encaixa perfeitamente em nosso projeto de vida - inanimado ou não.





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