segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dos santos


Hoje eu quero falar de santos. Não da cidade, nem do time de futebol, dos santos de verdade, essas pessoas que por terem realizado milagres e dedicado sua vida ao próximo foram canonizados e hoje têm seguidores por todas as partes orando por sua intersessão.

O dicionário define um santo da seguinte forma:
1. Essencialmente puro, soberanamente perfeito: a Santa Trindade.
2. Diz-se de pessoa que, por seus méritos e virtudes, é, depois de morta, reconhecida pela Igreja como digna de um culto de dulia: os santos mártires.
3. Que vive conforme a lei de Deus: é um santo homem; uma vida santa.
4. Pessoa exemplar, virtuosa, de conduta irrepreensível.

Nem todas as religiões crêem na existência de santos, ou melhor, nem todas as religiões crêem que deva se pedir pela intersessão de santos uma vez que se pode orar diretamente a Deus - se crêem ou não que essas pessoas existiram e tiveram, como citado acima, uma vida diferenciada que os tornou mais próximos de Deus é outra história.

Enfim, a grande questão pra mim é: e os santos que vivem entre nós? Será que estas pessoas que hoje são reverenciadas como santos foram reconhecidas como tal enquanto viviam e dedicavam suas vidas ao próximo?

Não mudei de religião, não me converti, não quero evangelizar ninguém... muito menos passei a me dedicar a assuntos teológicos! Só quero dividir uma experiência que tive e acho digna de ser compartilhada, nem que seja pra fazer pensar...

Esta semana conheci São Miguel - ou um São Miguel se assim preferirem. Eu acredito que Deus tem formas diversas de nos mostrar seu amor e seus enviados na Terra, basta que saibamos ver. É como dizia Saramago, se podes olhar vê, e se podes ver repara. O importante está sempre nos detalhes e não naquilo que se ostenta, sempre! Segue a história, e fica a critério de cada um de vocês a conclusão se eu conheci ou não um São Miguel.

Esta semana fui fazer uma visita ao Lar Vivência Feliz, uma casa que abriga idosos desamparados, no bairro do Jabaquara, e que gosto muito de visitar. Como de costume levei uma surpresinha para os idosos, colombinhas de páscoa, algo infinitamente pequeno perto de tudo que poderíamos fazer por eles, mas que acaba lhes dando um motivo para sorrir.

Pois muito bem, cheguei com os pacotinhos e não havia nenhuma enfermeira disponível para auxiliar com a visita. É muito difícil entregar qualquer coisa a eles sem a ajuda de um funcionário do local, porque muitos tem problemas sérios de saúde, inclusive mentais, e a intervenção de uma enfermeira ou cuidadora acaba sendo valiosíssima.

Se algo não tem remédio, remediado está! Essa máxima da minha avó realmente é preciosa... A enfermeira pediu que eu ficasse a vontade para entrar nos quartos e falar com os idosos e lá fui eu. Já na primeira cama comecei a sentir a dificuldade que seria, pois era um senhor que parecia não enxergar bem, e eu não sabia seu nome para chamá-lo. Foi então que lá do fundo do quarto surgiu um outro senhor, de cabelos muito brancos, franzino e muito perfumado. Ele se apresentou como Miguel, só Miguel, e se prontificou a ajudar.

A cama do Sr. Miguel era a oitava do primeiro dormitório masculino - os dormitórios lá são amplos e compartilhados por oito ou nove idosos divididos por sexo. Ele logo foi me dizendo o nome daquele senhor que não enxergava bem, sentou na cama ao seu lado e começou a conversar com ele, como se fossem amigos de infância. O outro homem já devia estar acamado há muito tempo, pois já não tinha mais forças, mesmo assim se animou com a conversa do Miguel. E assim foi durante uma hora, com o Miguel apresentando cada um dos colegas de quarto, contando a história de suas vidas e trocando apertos de mão com os amigos.

Depois de visitarmos todos os internos daquele dormitório ele perguntou se eu queria ajuda com o restante dos idosos do lar, o que prontamente agradeci, com uma exclamação de "o senhor caiu do céu!" Mas o mais surpreendente é que o Miguel conhecia todos os idosos mesmo, de todos os dormitórios da casa. Vejam bem, eu não quero dizer que ele sabia seus nomes, não, ele realmente os conhecia, no sentido mais amplo da palavra. Sabia suas qualidades, seus gostos, suas profissões. Todos o saudavam com um sorriso, e todos eram apresentados como seus grandes amigos.

Quando chegou o momento do final da visita parei para conversar um pouco com meu distinto ajudante, que fora tão prestativo naquela tarde, parecendo mais o diretor daquela instituição do que um interno, e ele me contou sua história. Fora vítima de câncer, teve grande parte do corpo mutilado em uma cirurgia para a remoção de tumores, e estava se recuperando há pouco naquela casa. Vejam bem, ele estava lá há pouco tempo, em recuperação de uma doença horrível, e ainda assim encontrou força e tempo de cuidar de todos a sua volta, ainda que talvez ele fosse um dos que mais precisavam de cuidados. Não pude conversar muito com ele pois o horário de visitas estava acabando, mas lhe perguntei se era feliz, como fazia para superar seus próprios problemas. Do alto de seus quase oitenta anos o Sr. Miguel disse orgulhoso: "aqui tenho um teto, aqui tenho amigos, o que mais preciso para ser feliz? E como eu ainda tenho muita energia trabalho para ajudar meus amigos como posso" - e eu pensei que ele realmente parecia ter encontrado a tal da Dona Felicidade.

Tem gente que acredita em milagre, tem gente que não. Tem gente que acredita em santo, tem gente que não. Tem gente que acredita em Deus, e tem gente que não também. Temos o livre arbítrio de acreditar no que bem entendemos, e dizem que até isso é uma dádiva de Deus (até praqueles que nem Nele acreditam). Mas o que eu senti foi o seguinte, que passei aquela tarde acompanhada por um santo homem, por um homem de Deus. E fica pra vocês a decisão de acreditar ou não nisso.

No fundo, no fundo, o sentido da vida está no mistério que ela é. A vida só é a maior das maravilhas porque nunca conseguimos ter completo discernimento da dimensão dela. Muitas vezes as coisas estão perante nossos olhos mas não enxergamos. Talvez seja pra essas horas que tenhamos ganhado um coração de presente, pra conseguir ver além do óbvio o tesouro que é viver e quantos são os anjos nos acompanham nessa jornada, mesmo que não tenham vestes brancas e asas.

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